A fala mansa e a postura tranquila poderiam ser vistas como sinais de timidez, mas a palavra que melhor define o momento de Lucas Piazon é maturidade. Com apenas 18 anos, o jovem que deixou o São Paulo há um ano com o status de novo Kaká não precisou de muito tempo na Inglaterra para mostrar que tem identidade própria e personalidade para escrever a própria história no futebol mundial. Em pouco mais de oito meses no Chelsea, ainda não estreou entre os profissionais, mas pavimentou o caminho para alcançar o sucesso em um clube que, apesar de acostumado a gastar milhões em medalhões, não deixou passar a oportunidade de apostar no talento brasileiro.
Comprado ao São Paulo por R$ 15 milhões após atuações destacadas nas categorias de base da Seleção Brasileira, Piazon trocou a ansiedade para integrar os profissionais após completar a maioridade, em janeiro, pela vontade de aproveitar a oportunidade de defender os times reserva e Sub-18. Tiro certeiro. Se o objetivo era facilitar a adaptação ao futebol inglês, ele foi mais longe e recebeu das mãos de John Terry o troféu de melhor jovem do Chelsea na temporada em premiação realizada na última quinta-feira, em Stamford Bridge. Feito que, juntamente com os três gols e seis assistências na campanha do título da Copa da Inglaterra Sub-18, garantem a sensação de dever cumprido e a certeza de estar no caminho certo:
- Hoje sou um jogador mais completo – celebrou o jogador em entrevista exclusiva ao GLOBOESPORTE.COM em sua casa em Kingston, no Sudoeste de Londres.
Para o sucesso e adaptação imediatos, Piazon usou uma receita simples, que contou com uma dose grande de apoio da família, que se mudou toda para capital inglesa, mas que tem como ingrediente principal a dedicação.
O Chelsea me preparou muito bem, sempre me colocava para jogar, independente do time B ou do Sub-18. Toda semana eu estava em campo."
Lucas Piazon
- Tem que partir muito do jogador. Se você quer, você consegue. Não é uma coisa difícil. É preciso botar na cabeça que é possível. Não é algo que tenha que ser trabalhado tecnicamente, é só posicionamento, recomposição, ocupar aquele espaço sempre.
Durante o bate-papo às margens do Rio Tamisa, o ex-são paulino falou ainda da expectativa pela estreia no time de cima (já ficou no banco três vezes), do contato com as estrelas que até pouco tempo só via pela televisão, da vontade de retornar à Seleção Brasileira, do assédio das fãs e da agenda das férias no Brasil, que tem como compromissos intocáveis o afago aos avós Cida, Anibela e Humberto, que completam aniversário no interior do Paraná.
A última semana foi especial para você: título, prêmio e convocação para equipe principal. Quando você chegou aqui em Londres, no dia 5 de setembro, imaginava terminar a temporada tão em alta assim, que tudo desse tão certo?
Quando eu cheguei, ainda estava na dúvida se ia poder jogar antes de fazer 18 ou não. Fiquei até o fim de novembro nessa e só depois pude jogar. Comecei no Sub-18, nos reservas e continuei assim até o fim da temporada. Acho que tudo isso acabou sendo bom para mim. O Chelsea me preparou muito bem, sempre me colocava para jogar, independentemente do time B ou do Sub-18. Toda semana eu estava em campo. Isso foi importante para minha adaptação. Facilitou para pegar experiência taticamente, me adaptar a marcação, posicionamento... Tudo isso foi muito importante. Depois desses nove meses, sou um jogador mais completo.
Muita gente vem para Europa e tem muita dificuldade para adaptação. Contigo, tudo aconteceu muito naturalmente. Além de todo apoio do Chelsea, de que forma você se preparou para facilitar as coisas?
A partir do momento que eu soube do interesse do Chelsea, procurei assistir mais o futebol inglês, prestar a atenção no estilo de jogo. Outra coisa que me ajudou bastante foi que no Sub-17 no São Paulo jogávamos com três atacantes, na mesma formação usada aqui. O Zé Sérgio (treinador) já me passava essa função de marcar mais o lateral, o posicionamento... Lógico que no Brasil eu tinha mais liberdade para trocar de lado, essas coisas, mas a questão de marcação eu já estava me dedicando mais. Foi algo que me ajudou bastante. Tem que partir muito do jogador. Se você quer, você consegue. Não é uma coisa difícil. É preciso botar na cabeça que é possível. Não é algo que tenha que ser trabalhado tecnicamente, é só posicionamento, recomposição, ocupar aquele espaço sempre. Uns demoram mais, outros menos, mas sempre acaba pegando.
Fora de campo, nunca foi um problema, uma dificuldade. Quando cheguei sempre tive o apoio dos brasileiros (David Luiz, Ramires e Alex) e do clube. Então, isso nunca foi complicado. Mas quando eu comecei a jogar com os mais velhos, tive um pouco de dificuldade. Com o Sub-18, não, mas com os mais velhos eu pensava: “Poxa, realmente é mais difícil jogar aqui”. Na questão do contato, parte de marcação eu dava uns moles, uns vacilos, mas agora está mais tranquilo. Estou mais solto, mais confiante. Está ótimo.Nesse processo todo, qual foi o momento mais difícil?
Quando que você passou a se ver como um jogador diferente do que veio do Brasil, seja fisicamente, tecnicamente ou taticamente? Quando se sentiu pronto para ser mais natural e deixar de se preocupar tanto com essas questões para poder usar a técnica que o trouxe ao Chelsea?
Às vezes tem jogo que eu fico muito preocupado com a marcação, com a tática, essa coisa de futebol inglês, e eles me falam: “Queremos que você faça esse papel, que se empenhe, se dedique, mas nunca perca o seu talento brasileiro de ir para cima, driblar, meter uma bola. Se quiséssemos jogador inglês, compraríamos aqui mesmo”. Então, sempre que meu time está sem a bola tento bastante marcar, correr para recuperar a bola, e quando temos a bola já consigo jogar como fazia no Brasil: indo para cima, sempre para frente, em direção ao gol. Sem muita firula. Tento fazer um-dois, meter uma bola, dar uma arrancada...
E essa conquista da Copa da Inglaterra Sub-18? Queria que você falasse um pouco desse título tanto para o clube quanto para você, nesse pontapé inicial, quanto foi importante?
Quando cheguei, não sabia da importância desse campeonato. Mas os meninos foram me falando e é como a Copa São Paulo para os brasileiros. É muito importante. Passa na TV, jogamos nos estádios dos clubes... Foi uma campanha sofrida. Ganhamos dois jogos nos pênaltis. Depois, contra o West Ham, mandamos no jogo todo, sofremos um gol aos 44 do segundo tempo e empatamos aos 45. E ainda teve contra o Nottingham Forrest, que saímos perdendo por 3 a 0 e viramos. Foi ótimo para gente. Todo mundo está bem feliz. Está sendo um final de temporada excelente.
Você acha que isso facilita o caminho para o time de profissional na próxima temporada?
Influencia, sim. Um título é sempre bom para quem vem de baixo. Quando se é campeão, olham de uma maneira diferente. Foi muito, muito bom. Espero na próxima temporada me integrar totalmente ao primeiro time. Devo ir com o grupo para pré-temporada nos Estados Unidos e quero continuar, jogar alguns jogos. Tomara que seja tão bom quanto foi esse ano.
E essa conquista individual? Foi algo que te surpreendeu? Você recebeu o troféu das mãos do Terry, qual foi a repercussão com os craques?
Devo ir com o grupo para pré-temporada nos Estados Unidos e quero continuar, jogar alguns jogos. Tomara que seja tão bom quanto foi esse ano."
Lucas Piazon
No sábado, quando cheguei para treinar no time de cima, eles me falaram: “Pô, está aqui há oito meses e já ganha um prêmio desses”. Me deram os parabéns. Foi legal. Eles também acham muito difícil um brasileiro chegar aqui e tão rápido ganhar um prêmio assim. Para mim, está sendo ótimo.
Você se vê pronto para atuar no time de cima? Se for necessário entrar em campo agora, você está preparado?
A ansiedade vai existir sempre. Para jogar 15, 30 minutos, estou pronto. Para os 90, acho que não. Preciso de um pouco mais de experiência, contato com eles, treinamento, entrosamento, confiança... Mas para jogar 15, 10 minutos, já dá para estrear.
E como tem sido o diálogo com o Di Matteo para que isso aconteça, o contato entre vocês?
Desde a época do André Villas-Boas o contato era grande com o Di Matteo, ele sempre brincava, conversava... A troca de técnico não mudou muito. Até porque, quem trabalha muito conosco é o Chelsea, é o clube, essa é a metodologia. De trazer os jovens para o profissional. Nos últimos meses, eu sabia que os jogadores mais experientes seriam utilizados, até pela Champions League e os jogos importantes.
Ser emprestado para pegar experiência seria uma boa opção na sua opinião? Há algo nesse sentido?
Esse nunca foi o interesse do Chelsea. Eles deixaram bem claro que querem que eu fique. E também não é a minha vontade. O melhor é ficar. O clube tem um projeto para mim. Não tem nada a ver.
Como tem sido esse seu contato com o time profissional? Imagino que muitos dos jogadores fossem ídolos para você ainda no início da adolescência?
Além dos brasileiros, tenho muito contato com os portugueses, com os espanhóis também, o Torres e o Mata sempre brincam. Até mesmo os ingleses. Já estamos próximos, o Lampard, o Terry... Tem sido maravilhoso. É tudo muito diferente. Agora, já tem sido até mais natural, mas antes eu ainda ficava olhando quando um passava, outro, observando.
Não tem um cara que eu olhe e fale: “Esse é meu ídolo, quero ser igual a ele”. Não. Quero ser eu mesmo."
Lucas Piazon
A presença do Ramires e, principalmente, do David, pelo jeito de ser, facilitaram a chegada de um novo brasileiro neste ambiente?
O Brasil está muito bem representando no grupo. O David e o Ramires são ótimas pessoas. Talvez aqui na Europa tenham a ideia de que o brasileiro é meio bad boy, mas os dois têm provado o contrário. Está sendo muito bom. Pessoalmente, também sou muito querido no clube, as pessoas gostam de mim, e esse clima de brincadeira facilita muito. O clube é muito tranquilo. O momento está sendo bem legal.
Você já falou que não se incomoda, mas não concorda com as comparações que faziam nos tempos de São Paulo com o Kaká. Então, queria que você apontasse algumas referências que você tem na carreira.
Eu sempre mudava. A cada semana era um ídolo, cada semana gostava de um jogador, era fã. São muitos. Eu gosto muito de ver futebol. Espanhol, italiano, inglês... Vejo o que os jogadores têm de bom e tento pegar para mim. Não tem um cara que eu olhe e fale: “Esse é meu ídolo, quero ser igual a ele”. Não. Quero ser eu mesmo. Quero ser um grande jogador e tento buscar o melhor de cada um.
Ano que vem tem Mundial Sub-20 e muitos amigos seus que disputaram o Mundial Sub-17, ano passado, já têm sido convocados pelo Ney Franco, com o Adryan e o Ademílson. Esses títulos conquistados pelo Chelsea encurtam o caminho para um retorno? Já sente falta de voltar a vestir essa camisa?
Não estou sendo visto lá. Os meninos estão na vitrine sempre. Ademilson e Adryan são meus amigões. Até outros, uns 93, que não eram chamados e eu conheço têm sido convocados. Fico feliz por eles. Ademílson é um cara que eu gosto muito, é meu parceiro mesmo. O Adryan também, jogamos juntos desde pequenininho. Com certeza tenho a vontade de jogar o Mundial e o Sul-Americano Sub-20. Adoro o clima da Granja. De estar lá, treinar, se divertir, jogar pingue-pong, vídeo game... Ficava muito feliz por ser convocado para estar com eles. O ambiente é muito legal, empolgante.
Vai mandar uns vídeos da Chelsea TV para o Ney Franco?
(risos) Estou tranquilo. Eu estou longe, mas até o Mundial e ao Sul-Americano ainda tem muito tempo. Se der para ir, eu vou felizão, amarradão. Vou vestir a amarelinha com toda alegria do mundo. Se não der, vou torcer muito do mesmo jeito.
Como tem sido sua vida em Londres? Você tem morado com toda família, isso facilita bastante...
Está ótima. Vou treinar cedo, volto para casa umas 14h, chego em casa e o almoço já etá na mesa com arroz, feijão... Às vezes saio para jantar com o David (Luiz) e o Rami(res), que também é um programa legal mais lá para o centro de Londres. Tento aproveitar a família, sair para conhecer restaurantes, fazer compras. É uma vida muito boa, tranquila, com muita paz. Está todo mundo feliz.
Qual a programação para as férias? Vai para o Brasil?
Vou. Chego dia 23 e vou ver o que vou fazer. Primeiro, fico em São Paulo e depois vou com meu pai para Curitiba, tem aniversário dos meus avós no interior do Paraná e tenho que ir lá. Vai ser gostoso. Faz tempo que não vejo todo mundo. Espero aproveitar bastante.
Para fechar, além do futebol, você tem um fã clube grande, principalmente entre as garotas. Como que você lida com isso, já tem muito assédio aqui na Inglaterra também?
Aqui ainda não é muito grande, mas sempre na saída do CT tem um pessoal que para, pede foto. Eles mostram um carinho grande por mim, as inglesas também, os menininhos baixinhos... Até mesmo a garotada que joga no clube de 12, 13 anos sempre faz a maior festa quando me ver, fala do Brasil. Isso é bem legal, o carinho é muito grande também no Twitter, principalmente depois dos jogos. A torcida apoia bastante.
Origem : (GloboEsporte/Adaptado - Koysa Nova)
Por Samuel Souza
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